29 de julho de 2016

O Trabalho Não Foi ao Ar e a Culpa Foi Minha

É incrível lembrar-se de certas coisas e pensar que há apenas 10 ou 15 anos o mundo era completamente diferente do que é hoje. O politicamente correto já existia, mas a compreensão sobre a dimensão do nosso papel, como publicitários, dentro de tudo isso ainda era muito precária. Se ainda hoje nos surpreendemos com campanhas pra lá de duvidosas (pra dizer o mínimo), se ainda vemos tropeços, ou verdadeiros tombos das agências, imagine o quanto isso era factível de acontecer antes de todos terem voz e vez nas redes sociais.

Um dia entro na sala do diretor de criação e ele, todo empolgado, me conta a sua ideia genial para uma campanha para o público infantil: uma espécie de game em que, para fazer pontos, as crianças deveriam socar virtualmente um boneco tipo João-bobo. O bonequinho ia então ficando machucado, com hematomas e afins. Acredite, faz muito pouco tempo em que isso parecia engraçado, ingênuo e inofensivo pra muita gente, inclusive para um criativo bem informado e inteligente, e provavelmente para o cliente. Engoli em seco, meu cérebro deu um nó, tive vontade de gritar meus argumentos conta aquilo que me parecia absurdo demais, violento, descabido, mas me contive. Eu perderia a razão se me colocasse imediatamente contra, principalmente de modo passional ou “panfletário”, iniciaria ali uma discussão e o foco se perderia. Já tinha vivido o suficiente para saber que a gente pode até ter razão, mas a maneira como colocamos nossos argumentos podem nos fazer perder uma discussão. Também sei que há pessoas muito competitivas, cujo objetivo é ganhar a discussão e não chegar ao melhor termo. Para que arriscar e deixar uma peça dessas ir ao ar? 

Em vez de fechar questão naquela hora, disse que aquela poderia ser uma possibilidade, mas que eu gostaria de fazer algumas pesquisas sobre o target para que ele pudesse desenvolver a ideia com mais embasamento e segurança, e que depois voltaríamos a falar sobre o assunto. Corri para a minha sala e imediatamente iniciei minha “pesquisa”, me municiando com artigos, estudos, exemplos de coisas parecidas que tiveram um péssimo desfecho para a imagem da marca e, claro, para a imagem do cliente e da agência. Juntei o material e levei ao criativo, pedi que lesse com atenção. Expliquei rapidamente o conteúdo do material que recolhi e deixei que ele mesmo tirasse suas conclusões. 

Naquele dia eu matei uma ideia. E me senti muito bem com isso.

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